12/05/2021

A vacina é um EPI?

Num ambiente hospitalar, por exemplo, o imunizante sabidamente protege o profissional da saúde.

Recentemente fui provocado por um grande amigo sobre a seguinte questão: o trabalhador de um hospital, por exemplo, é obrigado a se vacinar? Questão instigante e que ganha ainda mais interesse em tempos de pandemia. Nos próximos parágrafos, minhas impressões sobre o tema.

A legislação trabalhista contempla, através da NR 9, a proteção à saúde dos trabalhadores em relação aos riscos ambientais de trabalho, atribuindo às empresas a obrigatoriedade de prover as condições adequadas à sua execução. Entre essas condições, inclui-se, por exemplo, o fornecimento – quando necessário – de EPIs.

A vacina pode ser considerada como um EPI? Conceitualmente, me parece que sim. Conforme o item 6.1 da vigente NR 6, “considera-se EPI (Equipamento de Proteção Individual), todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a Segurança e a Saúde no Trabalho”. Num ambiente hospitalar, por exemplo, o imunizante sabidamente protege o profissional da saúde (e também terceiros!) de riscos suscetíveis e inerentes às suas atividades.

Por outro lado, a mesma NR 6 estabelece em seu item 6.3, que “o EPI, de fabricação nacional ou importado, só poderá ser posto à venda ou utilizado com a indicação do CA (Certificado de Aprovação), expedido pelo órgão nacional competente em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego”. Nesse ponto, é importante lembrar que a competência para liberação do uso de uma vacina no Brasil não é do órgão nacional competente em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho, mas sim da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Cabe à Anvisa (autarquia vinculada ao Ministério da Saúde) nos termos da Lei nº 9.782/1999 autorizar a fabricação, distribuição e importação de vacinas (art. 7, inciso VII) e também proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de imunizantes, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde.
 

CERTIFICADO DE APROVAÇÃO

Quando a Anvisa aprova uma vacina deduz-se, sob o ponto de vista técnico, entre outras coisas, que os benefícios do imunizante são maiores do que possíveis malefícios. Uma vez aprovada pela Anvisa, uma vacina terá seu uso permitido no Brasil e poderá, inclusive, integrar o Calendário Nacional de Imunização (PNI), atualmente definido pela Portaria MS nº 1.533/2016.

Dessa forma, enquanto um EPI só pode ser assim chamado no Brasil quando tiver o respectivo CA, uma vacina já pode ser usada/indicada quando for aprovada pela Anvisa. Isso, ao meu ver, distingue um imunizante de um EPI propriamente dito nos termos da NR 6.

Indo além, caso o(a) fabricante da vacina faça questão de ter um CA para uso do imunizante como EPI propriamente dito nos termos da NR 6 (intenção que acho improvável), vislumbro que isso também seja possível. Isto porque a Portaria nº 11.347/2020 estabelece que para que um “creme de proteção” (produto a ser usado pelo trabalhador, assim como seria uma vacina) possa ter o seu respectivo CA, o(a) fabricante deverá apresentar à SIT (Subsecretaria de Inspeção do Trabalho) o relatório de ensaio laboratorial deste produto com o respectivo número de registro na Anvisa. Apenas isso será suficiente para instruir o processo e obter o CA deste produto. Nada mais.

Se para um creme de proteção é assim, de forma análoga, ouso concluir que para uma vacina seja a mesma coisa, ou seja, caso o(a) fabricante apresente à SIT o relatório de ensaio laboratorial deste produto com o respectivo número de registro na Anvisa, isso será suficiente para instruir e possivelmente obter o CA deste imunizante como um EPI propriamente dito nos termos da NR 6. O racional desta minha conclusão é bem simples: se o imunizante foi aprovado pela Anvisa para uso na população em geral, não há porque negar-lhe o CA para uso como EPI [caso o(a) fabricante solicite o Certificado de Aprovação], especialmente considerando que a Portaria nº 11.347/2020 já faz esse tratamento ao analisar o creme de proteção.
 

CONCEITOS

Alguns dirão: “Marcos, você acha mesmo razoável comparar ‘creme de proteção’ com ‘vacina’ ”? Sim. Não pe­las propriedades desses produtos, mas pelo conceito de EPI trazido pela NR 6: “produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a Segurança e a Saúde no Trabalho”. Esse conceito é aplicável de forma equivalente tanto para o creme de proteção quanto para a vacina. E isso justifica a comparação que faço entre esses dois produtos.

Acrescento que o fato de não haver menção expressa das vacinas como um tipo de EPI na referida Portaria nº 11.347/202, não impede a tentativa do(a) fabricante de tentar obter o CA deste produto, já que a própria norma, além de mostrar especial atenção com este período pandêmico, estabelece que casos omissos também serão objetos de estudo e avaliação.

Ainda que não tenha CA, uma vacina autorizada pela Anvisa pode ser considerada como algo análogo ao EPI num ambiente hospitalar? Me parece que sim. Isto porque, assim como o EPI, o imunizante é usado individualmente e funciona como uma medida de controle que visa a proteção de um agente que não pôde ser plenamente neutralizado por medidas administrativas, proteção coletiva e/ou Equipamentos de Proteção Individual. Tanto assim, que a insalubridade por risco biológico, como regra, independe do uso de EPI e se dá por avaliação qualitativa, nos termos do Anexo 14 da NR 15.

Por outro lado, em alguma medida, a vacina também se aproxima de um EPC. Sim, pois numa organização, quanto maior for o contingente de trabalhadores vacinados, menor será o índice de transmissão coletiva da respectiva moléstia.

Em termos de analogia, a vacina está mais para EPI ou EPC? Conforme exposto, há características tanto de um como de outro. É usada individualmente e garante proteção ao indivíduo: isso a aproxima de um EPI. Na medida em que protege a coletividade de contágios, isso a aproxima de um EPC.

Talvez, uma possibilidade interessante seja considerá-la como uma medida de controle com características híbridas entre o EPI e o EPC. Por esse prisma, em termos de prioridade, a vacinação ganharia ainda mais importância e deveria vir antes do EPI, nos termos do item 9.3.5.4 da vigente NR 9.


Fonte: Revista Proteção