Profissionais de Saúde e Segurança devem ser agentes no processo de inclusão e reabilitação de pessoas com deficiência
Reportagem de Marla Cardoso
Eu tenho um filho de seis anos deficiente. O Dom é autista e tem uma síndrome rara chamada Landau Kleffner, que impacta no comportamento, na comunicação e nas interações sociais. Como toda a mãe, preocupada, é inevitável pensar: será que um dia ele conseguirá trabalhar? O questionamento não vem por dúvidas em relação à futura capacidade laboral dele, mas se o mercado de trabalho terá condições de acolhê-lo com as suas diferenças. Sentimento parecido viveu Ester Teresinha da Silveira Cunha, quando o filho pediu para trabalhar porque queria ser independente. Eduardo, de 23 anos, é autista e diagnosticado com retardo mental leve. “Eu tive crise de ansiedade quando ele ingressou no primeiro emprego, em 2021, por medo dele ser maltratado”, recorda.
Infelizmente, o receio da mãe se confirmou. Contratado para a função de estoquista, Dudu foi colocado para fazer faxina e foi sobrecarregado de trabalho. “Um dia minha cunhada passou pelo comércio onde ele trabalhava e o viu raspando chiclete no chão. Ele não reclamava de nada, mas chegava em casa triste. Além disso, a chefia dizia que era vagaroso e brigava bastante”, lembra. Quando soube o que o filho passava, Ester o tirou da empresa, mas diante da insistência dele para voltar a trabalhar, conseguiu uma nova oportunidade em um supermercado, como empacotador. Lá encontrou acolhimento. “Esse novo trabalho refletiu no comportamento do Dudu, está outro menino”, celebra Ester.
A realidade vivida por essa família é apenas um recorte de como a inclusão das pessoas com deficiência é tratada no mercado de trabalho. Legislações atendem esses trabalhadores determinando cotas e assegurando condições de igualdade para o exercício dos seus direitos, mas isso não é garantia de que a experiência laboral será inclusiva. Para que haja avanço, a responsabilidade sobre o tema vai muito além da área de gestão de pessoas das empresas. A SST também tem o seu papel. Seja colaborando para a quebra das barreiras atitudinais, carregadas de preconceito e capacitismo, pensando em medidas preventivas que protejam a saúde e a segurança desses trabalhadores, colaborando para garantir que as instalações e tecnologias da organização sejam acessíveis a todos, atuando na reabilitação dos profissionais deficientes, entre outras ações. O compromisso deve ser de todos!
Trinta e seis. Esse foi o número de nãos que Jéssica Carvalho recebeu até conseguir sua primeira oportunidade de trabalho como psicóloga, depois de formada. Pós-graduada em Psicologia Organizacional e do Trabalho, com MBA em Diversidade e Inclusão e atualmente analista de Diversidade e Inclusão em uma empresa do ramo de cosméticos e beleza, a moradora de Joinville/SC é paraplégica e sempre entendeu que a falta de oportunidades estava diretamente ligada à deficiência.
“Quando colocava no currículo a sigla PcD não era sequer chamada para entrevistas. Quando não inseria essa informação, choviam vagas, mas em contrapartida já fui entrevistada na copa de uma empresa porque a cadeira não passava pela porta da sala de recrutamento ou mesmo tive que subir escadas”, lembra. Em outra oportunidade, já formada, foi chamada para vagas na área que não exigiam experiência, mas durante o processo de seleção o recrutador oferecia funções distintas daquela que havia se candidatado.
As negativas chegaram a ser atribuídas à deficiência de forma explícita. Jéssica recorda de quando chegou à etapa final de uma seleção para analista de RH que tinha, entre outras atribuições, publicar as vagas da empresa em um site e imprimi-las para fixar em um mural interno. “Acontece que, eu sentada na cadeira, tenho 1,23 metro e o quadro tinha 1,40 metro. Tentei negociar dizendo que poderia pedir ajuda ou trocar de tarefa com outro colega, mas a recrutadora argumentou que eu não conseguiria fazer e fui desclassificada. Por falta de conhecimento e com receio de me expor, ela não me escutou”, afirma. Até chegar ao seu atual posto profissional, Jéssica passou por outras duas experiências.
NÚMEROS
As dificuldades de colocação no mercado de trabalho enfrentadas pela psicóloga estão expressas em números. Em 2022, pela primeira vez, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou o Estudo Pessoas com Deficiência e as Desigualdades Sociais no Brasil, revelando, entre outras dimensões, a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. A principal fonte de dados foi a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019, que apontou que as pessoas com deficiência com 14 anos ou mais tinham menos taxas de participação no mercado de trabalho (28,3%) e de formalização (34,3%). Entre as pessoas sem deficiência, os índices são, respectivamente, de 66,3% e 50,9%.
A desocupação nessa população também foi maior (10,3%) que entre as pessoas sem deficiência (9%). A diferença da taxa de desocupação entre pessoas com e sem deficiência foi identificada principalmente na população jovem. Os índices são, respectivamente, de 25,9% e 18,1%. Quando o assunto é renda, também há diferenças. As pessoas com deficiência recebiam, conforme o estudo, dois terços do rendimento daquelas sem deficiência. Os tipos de deficiência consideradas foram visual, auditiva, física e mental, incluindo empregados e trabalhadores domésticos com carteira de trabalho assinada, militar e funcionário público estatutário.
Outro estudo, da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua) de 2022, divulgou que das 99,3 milhões de pessoas ocupadas no Brasil, apenas 4,7% eram pessoas com deficiência. Embora os dados não sejam comparados entre si por existirem diferenças metodológicas, o que os levantamentos demonstram é que há uma disparidade entre a inserção e a permanência de pessoas com e sem deficiência no mercado de trabalho.
Fonte: Revista Proteção